Em fevereiro de 2014, a Ação de Inconstitucionalidade (ADI) movida pela CNT – Confederação Nacional dos Transportes acerca da inconstitucionalidade da cobrança do ICMS sobre as operações de transporte de passageiros foi julgada improcedente pelo Plenário do STF, a despeito das inúmeras similaridades com a ADI 1600, movida em 1997 pelo Sindicato das Empresas Aeroviárias, objetivando excluir a navegação aérea do âmbito de compreensão das expressões “transportes interestadual e intermunicipal, por qualquer via” do Art. 2º da LC 87/96, por entender haver afronta aos artigos, 146, I (Conflitos de Competência); III (Norma Geral do tributo), 150 I (Isonomia), 155, §2º, V, ‘b’ (Alíquotas Interestaduais – Repartição de receitas – Pacto Federativo).
A ADI 1600 – Setor Aéreo – Procedência
A problemática apontada pela autora da ação seria a impossibilidade fática de se verificar quem seria o contribuinte, onde se cobrar o tributo, qual a alíquota aplicável e onde se faria a emissão e cobrança do tributo, uma vez que os bilhetes aéreos são emitidos em nome do passageiro, e sendo pessoa física, não é possível considera-lo estabelecimento destinatário, nem mesmo conferir-lhe localização, posto que em trânsito, e não há como determinar localização de um viajante.
Desta feita, procurou a requerente demonstrar que a “mecânica” de tributação do ICMS para o transporte de passageiros na LC 87/96 não se adequava à “mecânica” estabelecida pela Constituição no Art. 155, II, deixando em dúvida sua aplicação.
Isto porque, ao se fazer uma análise do regulamento do ICMS para transporte de cargas, nenhuma dúvida acerca de sua execução é levantada. Todavia, no caso de transporte de pessoas, existem várias inconsistências:
- A Pessoa Jurídica adquirente de bilhetes não poderia creditar do valor do ICMS para abatimento futuro (fere o princípio da não cumulatividade previsto na CF de 1988), pois o bilhete é emitido em nome da Pessoa Física, passageiro.
- Não é possível verificar quem é o destinatário do serviço. Se este for considerado o passageiro, pessoa física, não se aplica alíquota interestadual. Isso porque, “o passageiro não possui localização. Tem domicílio ou residência”;
- Se o fato gerador se dá no início da prestação, e o contribuinte é a pessoa a qual realiza o transporte, então, a alíquota é sempre a interna;
- Não há como saber qual o “estabelecimento destinatário do serviço” eis que o passageiro não possui estabelecimento. Ainda, como saber se a prestação está ou não vinculada? Não se sabe.
- Se a prestação é iniciada no exterior, qual o valor a ser considerado para fins de incidência do ICMS no destino final da transportadora? O valor total da prestação? E o caso de conexões várias externas e internas?
- Ainda nesta corrente pela inconstitucionalidade da lei para o transporte aéreo de passageiros, muitos dos Ministros que a julgaram entenderam ser ela “imprestável” para a situação, relevando que a lei não cuidou de observar a diferença entre transporte de coisas e pessoas;
Entenderam os Ministros para o fato de que não seria possível solucionar pendências de conflitos de interesses entre os estados, gerados, por exemplo, no caso do passageiro realizar escalas.
Em suma, apontaram que a lei teria deixado passar uma série de fatores os quais são pertinentes tão somente ao transporte de pessoas.
Prevaleceu, portanto, a tese vencedora de que a LC 87/96 não compreende como hipótese de incidência o transporte aéreo de passageiros, por inconsistência legislativa sob a ótica da sistemática exigida pela Constituição na imposição, cobrança e credito do tributo.
Relevante notar, que do voto do Min. Nelson Jobim, extraiu-se a conclusão de que a inconstitucionalidade também valeria para o setor de transporte terrestre de passageiros, fundamentando a ADI movida em seguida pela CNT.
O ICMS no transporte terrestre – Ônus as empresas de transporte e aos consumidores (passageiros)
Infelizmente, notamos que a composição do Plenário do STF mudou entre um julgamento e outro, houve uma morosidade excessiva para o julgamento de questão de tamanha importância e de impacto econômico e social (passaram-se cerca de 12 anos desde a distribuição em 2002 até o seu julgamento em 2014), fatores que de certa forma prejudicaram o julgamento da ADI seguinte, que certamente teria melhores chances de sucesso, caso tivesse sido julgada em tempo próximo daquela movida pelo setor aéreo.
O resultado deste Julgamento, que concluiu pelo tratamento diferente às empresas de transporte terrestre em relação à decisão das empresas aéreas promoveu verdadeira insegurança jurídica e desconfiança à atuação do STF. Fica em aberto a pergunta: em caso de se considerar a LC 87/96 perfeita para o setor rodoviário, como não se exigir mesma interpretação ao aéreo?!
E do ponto de vista empresarial resta o infortúnio de ver serviços complementares e necessários recebendo tratamentos completamente distintos. O passageiro de menor poder aquisitivo e que utiliza o ônibus como meio de transporte para ir ou chegar aos 5570 municípios brasileiros se vê em clara desvantagem, se comparado àquele que utiliza o transporte aéreo, com raio de alcance mais limitado (não atinge toda a malha de municípios brasileiros).
Seguramente o não recolhimento desse imposto poderia ser voltado integralmente ao benefício dos consumidores, seja no valor final da passagem rodoviária, ou mesmo no investimento efetivo em tecnologia o que traria maior praticidade, segurança e conforto aos passageiros, a exemplo do que vemos no setor aéreo.
Talvez os governos pudessem pensar num programa de desoneração, baseado em contrapartidas reais de investimentos em tecnologia e isso seria um caminho concreto para que esta desoneração tivesse efeitos claros e visíveis aos olhos dos consumidores.
Trata-se um serviço operado por empresas privadas, mas com um caráter iminentemente social, que deveria merecer a desoneração do imposto, que na prática apenas onera toda à cadeia, encarecendo o valor do transporte terrestre de passageiros, e prejudicando, em última instância, os próprios cidadãos consumidores.
Fontes:
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=259570
https://solucaojuridica.wordpress.com/2012/07/17/icms-transporte-passageiros/
Autor:
Carlos Alexandre de Oliveira
carlos.alexandre@plataforma10.com
CEO Plataforma10 Brasil – 44 anos
Administrador de Empresas com MBA em Gestão Empresarial pela FGV e Universidade da Califórnia – UCI – USA. Especialista em Consultoria de Negócios pela FIA-USP